terça-feira, 28 de junho de 2011

Alternativa fênix

Ter ciência de que viveu um amor é bonito na velhice, para contar uma boa história. Saber que viveu um amor, com o verbo assim, no passado recente, é fracasso. E por mais que não seja, essa é a única interpretação possível em um tempo considerável.

Um amor, mesmo, de dividir tudo, de não ter segredo, de estar à vontade em dizer para o outro que achou essa ou aquela pessoa bem gostosinha sem gerar crises de ciúme... Amor de gente grande sentada no sofá domingo à tarde, com os pés acomodados em coxas alheias. Isso tudo, quando parte, é um buraco negro de dor.

Tudo bem, você reage, vai ao samba com sua melhor camisa, senta no canto da mesa com aquele seu colega que tem a decência de não comentar, mas sabe que você está um caco. E você ri, conta piada ruim, enche a cara... e acorda de madrugada pensando que preferia um caixão de chumbo a esse peso no peito.

O fim de um amor assim nem fim é direito. Porque vocês se adoram e se ligam e vão ser amigos para o resto da vida. É aquele laço impossível de cortar, a pessoa que sabe o seu CPF de cor, e a quem você vai procurar quando se sentir miserável como agora. De repente, até, por causa de outra pessoa. Não de outro amor, que amor assim, com sorte, se vive uma vez a cada dez, vinte anos. Para muitos é um só na vida.

Esse tipo de amor é lacuna, é o vazio de não saber direito por que terminou, só que tinha que ter terminado. É um respeito sem educação pelos sonhos dele ou dela, e aos seus próprios. E um cagaço imenso de ficar igual ao pai e a mãe da gente, e não esquecer nunca daquela dobrinha perto do umbigo que ninguém mais tem.

Um amor desses, quando termina, nos deixa pensando em quem vai responder se ele ou ela perguntar se hoje é dia de lavar o cabelo. A falta de um amor desses não nos faz sentir heróis por sobreviver, mas idiotas se não tivermos mudado radicalmente depois dele. Esse amor só pode deixar a gente um tanto fênix.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A última imagem


Sobre velórios, eles são tenebrosos mesmo. Me lembro de, muito criança e pedindo ajuda com a palavra pouco familiar, dizer à minha mãe que não queria ser velada. Ela deve ter respondido, como qualquer adulto razoável – o que nós somos além disso? – que eu não pensasse naquilo por enquanto, mas que o velório era um jeito de os amigos e parentes terem uma última lembrança da gente.

Talvez eu já soubesse, meio sem querer, que não ficava à vontade com a ideia de que minha última imagem fosse pálida e endurecida, possivelmente arrumada com um cabelo que eu jamais usaria em vida.

E no caso de eu ter um fim violento, e precisasse de um caixão lacrado – outra palavra que aprendi no velório, e depois transpus para o universo das embalagens – as pessoas se lembrariam de mim como uma caixa de madeira? E se eu morresse junto com um monte de gente, ia ter que por plaquinha no meu caixão? Mãe?

Fiquei pensando nos meus vestidos até descobrir um com qual eu gostaria que pensassem em mim. Quando se é criança, é difícil projetar a morte para a velhice. Eu queria que as pessoas me lembrassem usando o vestido enquanto brincava, não daquele jeito estático e cercado de lamentações.

Ainda hoje odeio funerais – sim, há quem goste – e eles me deixam com um efeito colateral anárquico. Examino a minúcia das ações humanas e não vejo nelas o menor sentido. Depois passa, e eu acabo achando bem bom poder cruzar a rua e comprar pães frescos.

terça-feira, 14 de junho de 2011

caco



e
quando
a
gente
se
sente
caco
de
gente
?