segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre a necessidade de celebrar o esdrúxulo


Por que, afinal, ocupar-se de um evento dedicado a uma linguagem algo flutuante e que deixa a formulação “retorno financeiro” com ares de piada? Em outras palavras, para que fazer Festivais de Apartamento e, mais ainda, para que fazê-los, deliberadamente, sem fomento de quaisquer instituições?
Porque é possível.
E, uma vez que esse tipo de argumento seja tão geral que sirva como justificativa às mais delinquentes atrocidades cometidas pela raça humana, se coloca a obrigação de explicar.
Os Festivais de Apartamento são efêmeros, pequenos e gozam de uma saudável inexistência. Entre uma convocatória e outra, jazem felizes no esquecimento enquanto exibimos no blog o registro da edição anterior. Cada edição tem a duração de uma noite apenas, e nós não somos capazes de abrigar muito mais do que 25 ações. Estes eventos se realizam em casas de pessoas que se dispõem a recebê-los, não em galerias. Não há eleição curatorial: todo inscrito, independentemente de em que ponto se encontre de sua trajetória performativa, torna-se participante no ato da inscrição, e é inteiramente responsável pelas demandas de sua ação. E não, não há ajuda de custo, hospedagem, alimentação ou traslado. Obviamente, não emitimos certificados, nem dispomos de chancela.  Ou seja: somos uma grande celebração do esdrúxulo, das coisas que não cabem, do que não faz sentido dentro de uma lógica assertiva.
Antes. Não se trata de se contrapor ao formato dos editais, ainda que eles existam em quantidade menor que nossa capacidade criativa, e que não contemplem a diversidade dela. Ainda que seja necessário contar com certa obtusidade de algumas bancas ou escrever de modo que haja brechas em que pesem o gosto do curador e o que desejamos fazer de fato.
Menos ainda se trata de entender a arte e o artista fomentados como menores, menos pungentes ou qualquer blábláblá chique e eufemista que denote inferioridade. E, por favor, absolutamente, não se postula um revival hippie que pretenda desfazer-se dos bens materiais, viver de amor em algum lugar paradisíaco e dar adeus à crudelíssima sociedade capitalista.
Embora haja o entendimento de que ser artista é um modo de ser no mundo quase sempre inquieto e desestabilizador do status quo e, por isso mesmo, embebido de determinada ética e posicionamento político, ainda não perdemos a dimensão de que é necessário, antes de qualquer coisa, encontrarmos meios de nos sustentar. Sim, nós ainda não estabelecemos tamanha conexão com o Cosmos que tenhamos transcendido a matéria e as necessidades básicas da vida. E queremos ainda e, legitimamente, fluir aquelas que estão além do básico.
Os Festivais de Apartamento não foram inscritos em editais porque, até o momento de suas doze edições, foi possível que se portasse assim. E só isso é o suficiente para alimentar a utopia de seus organizadores. Quantas coisas se conhecem no mundo cuja diretriz primeira não seja a lucratibilidade? Exatamente. Aquelas de que somos saudosos porque impraticáveis em sua maioria.
Esse formato não diz respeito somente à geração de um território para empreender ações performativas, embora venha contemplando essa solicitação de modo relativamente satisfatório. Nos os realizamos assim por percebermos nessa forma de existir algumas premissas que nos são caras.
 Há um feixe de vontades e concreções implicado no fazer Festival de Apartamento no qual se localiza, por exemplo, nosso desejo de trocas reais com nossos pares, o que só é possível se mantivermos um número de participantes humanamente visitáveis. Além do que, reside nesse formato nossa resistência ao apelo apoteótico do mundo, nossa agonia com a vida telemática, nosso desdém pela postura do artista “iluminado”, detentor da tecnicidade e do código que o colocam no pedestal da genialidade, nossa tentativa de descentralizar a arte, expressa na itinerância dos Festivais. E tantas outras coisas de que nos vemos carentes ou enfadados e tentamos exercitar na organização desses eventos.
Nada de novo se afirma nesse enunciado, assim como ele não pretende ser a solução definitiva para as questões que orbitam pelo fazer performativo. É só uma forma que encontramos de manter viva a utopia. Nisso temos sido endossados por artistas que, cientes ou não desse levante, têm se deslocado às próprias expensas em direção a umas noites que parecem suspender o estabelecido.

2 comentários:

T. Angel disse...

Eu tenho um orgulho grande em ter participado do Festival, foi muito importante para minha trajetória.

E olhe, me bate um sentimento bom em te ler aqui agora...

Beijo gigante Lu!!!

OutroLuiz disse...

Quando participei, lembro, foi impressionante. de fato minha virgindade performativa teria ali saído, parido. A Casa Subversiva, as pessoas, a atmosfera.

Tem um lugar muito especial no meu corpo esse Festival e sempre que puder irei, de corpo aberto para toda a poesia que há!

"Que seja doce" estava escrito na janela da cozinha...

Gratidão!

Ass: Outrinho